Tal é a razão da atitude maquiavélica face ao otium filosófico. No seio do estado de guerra permanente que caracteriza as relações entre os povos, não há lugar para o lazer contemplativo. Este não só faz perder aos cidadãos a consciência dos perigos latentes, não só contribui para a perda de energias comunais, como, ao incitar o retraimento sobre si próprio, participa no crescendo das ambições particulares que são, para Maquiavel, um sintoma da corrupção pública. Lazer e desunião são portanto correlativos, «[...] as causas da desunião das repúblicas não são as mais das vezes a ociosidade e a paz (l’ozio e la pace); as causas da união, pelo contrário, são o medo e a guerra. Se, portanto, os habitantes de Véiès [que não cessavam de ofender os Romanos com ataques e insultos] tinham sido sábios, mais o foram quando, vendo Roma desunida, desviaram o pensamento da guerra e procuraram oprimir os Romanos com a arte da paz (com l’arti della pace).» [D, II, 25, pp. 353-354; cf. igualmente AO, V, p. 1049: «A bravura (virtù) propicia a paz aos Estados/ da paz vem depois/ a ociosidade (ozio) que destrói as terras e as casas.»]
Michel Senellart, «Maquiavel (1469-1527): o ethos político de grandeza e de liberdade», em História Crítica da Filosofia Moral e Política