Escritor português (Chacim, Macedo de Cavaleiros, 1941). Muito ligado à sua região, não só por laços afectivos, mas também por uma vasta acção cívica e cultural, a sua literatura ultrapassa a fronteira do regionalismo, firmando-se como romancista e poeta de cunho clássico sem renegar a modernidade.
Alguns títulos: Algures a Nordeste (poesia, 1974); Solo Arável (poesia, 1976); Sancirilo (romance, 1983; 2ª edição reescrita, 1996); O Diabo Veio ao Enterro (contos, 1985);Memórias de Caça (contos, 1987), Crónica da Casa Ardida (romance, 1992); Raquel e o Guerreiro (romance, 1995), Três Histórias Transmontanas (contos, 1998); Artes Marginais (antologia poética, 1998); Desta Água Beberei (poesia, 1999); O Livro dos Lugares e Outros Poemas (poesia, 2000); Antes Que o Rio Seque – poesia reunida (2006), As Têmporas da Cinza (poesia, 2008).
OS FILHOS DE D. JOÃO I
Oliveira Martins
FARPAS ESCOLHIDAS
Ramalho Ortigão
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— Com franqueza, aqui para nós, que ideia foi esta de ir a Sintra?
E ele ria; ria contínuo! Era rir diabólico o do bobo: porque nunca deixava de ir pulsar dolorosamente as fibras de algum coração. Os seus ditos satíricos, ao passo que suscitavam a hilaridade dos cortesãos, faziam sempre uma vítima.
Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem ao longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar.
À voz do comandante desamarraram rapidamente o bote, e saltaram homens para salvar Mariana.
Salvá-la!...
O homem da Maria da Viela viveu e morreu piteireiro. Nunca falava: sorria sempre, com o olho pisqueiro, o ar satisfeito, o cachimbo de barro metido na goela. Quanto ganhou, quanto estafou na taberna. Ela barafustava e não sei se lhe batia. Ia-o buscar à loja e levava-o aos empurrões para casa, ralhando todo o caminho -- e ele, calado, inalterável, a cuspinhar, numa satisfacão interior e perfeita. Todas as noites saía a barra sozinho, dentro do caíque, a remo ou a vela, e a cair de bêbado. Voltou sempre -- mar manso, mar ruim -- e nunca deixou de trazer peixe para beber. Um dia, com medo a um desastre, não o deixaram mais ir ao mar.
A gente começou de se juntar a ele e era tanta, que era estranha cousa de ver. Nom cabiam pelas ruas principais e atravessavam lugares escusos, desejando cada um de ser o primeiro; e, perguntando uns aos outros «quem matava o Mestre?», nom minguava quem respondesse que o matava o conde João Fernandes, permandado da rainha.
À medida que o Sol ia subindo, no céu glorioso e fulvo, iam os dois conduzindo as ovelhas para os sítios mais ensombrados para se livrarem daestiagem, que ia valente. Calor de rachar, ali por volta do meio-dia, que foi quando tomaram para a banda das azinheiras, e para os pinheirais, depois. E sempre ao lado um do outro, os dois companheiros levaram de conversa quase o dia inteiro. Nunca tinham dado fé que as horas passassem tão depressa. Ainda armaram aos pássaros, mas foi o mesmo que nada: os demónios andavam espantados e já conheciam as esparrelas.
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