Sexta-feira, 10 de Julho de 2009

Crónicas de Verão

QUASE ESGOTADO

 

Escrever letra à frente de letra, palavra após palavra, frase a frase, sem erros de ortografia, de pontuação e de acentuação, sem grandes deslizes de sintaxe e de sentido, embora hoje um feito digno de nota, não deveria ser um facto notável em si mesmo. Sobretudo se estivermos a falar de gente que escreve, edita, revê, traduz, publica.

O que quero dizer é que para escrever bem, não basta escrever certo. Do ponto de vista do acerto, não faltam hoje legitimações de vasta gama de usos e costumes espúrios. Para escrever bem, no entanto, é necessário conjugar alguns outros factores, objectivos uns, muito subjectivos outros, mas nem por isso inexistentes ou menos importantes – a adequação e propriedade do que se diz, a escolha mais ou menos feliz das palavras, relacionável com a maior ou menor familiaridade com a língua e a maior ou menor consciência da sua plasticidade, o tom que se adopta, expresso pelo grau de formalidade ou informalidade, pelo ritmo imprimido, pela pontuação, pelo cúmulo de cultura implícita, pelo tipo de recursos utilizados, a elegância da frase…


Mas como medir a elegância da frase e a pertinência comunicacional ou estilística de uma determinada opção lexical ou sintáctica? Como se mede o gosto ou a falta dele? Este é um terreno difícil, onde facilmente se esbarra no relativismo opinativo e reinante. Um simples «eu não acho» deita por terra quaisquer argumentos.

Veja-se a diferença, nestes exemplos muito simples, entre escrever «como é que se cumprimenta um extraterrestre?» e escrever «de que forma se cumprimenta um extraterrestre?», entre «que é que se diz a um taliban?» e «que conversa manter com um taliban?», entre «como é que se discute com um urso?» e «como discutir com um urso?». Nenhuma das frases está gramaticalmente errada, mas há uma diferença, para quem estiver em situação de a compreender.

O drama é que hoje quem lê, mesmo profissionalmente, lê a um nível baixo: o que nunca ouviu está mal e o que não conhece não existe. Escrever bem, não apenas escrever certo e dentro dos limites de um fraseado insípido e incolor, surge como uma estranheza, uma anormalidade que é aconselhável reduzir ao corrente e vulgar.

Muitos chamam «simplificação» a este processo de tornar uniforme e raso o que não entra nos seus padrões de uso. Mas esta suposta simplificação, inimiga confessa do estilo, faz cair textos realmente bem escritos, sobretudo se forem saborosamente bem escritos, no campo de um exotismo intolerável.

Neste mundo às avessas, escrever bem, nesta acepção não exclusivamente gramatical, tornou-se perigosamente conotado com escrever mal. E é este mal, neste preciso sentido, que muitos resolveram querer assanhadamente extirpar.

Como se costuma dizer: «é o que temos, o resto está esgotado». Ou, pelo menos, está quase.

JORGE COLAÇO
 

publicado por annualia às 11:24
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Sexta-feira, 15 de Maio de 2009

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Há alguns anos, observei umas estudantes de letras que tentavam abastecer-se, numa livraria, de livros exigidos na bibliografia de uma das disciplinas do curso. Confrontadas com um dos títulos da lista, um livro de certo poeta português, uma delas prontamente afastou a hipótese de aquisição, defendendo que aquele não era necessário ler por não ser provável que algum dia, no seu previsível futuro de professoras, tivessem de «dar» aquele autor. Não seria preciso, pois, ler um autor que não constasse dos programas.
Este episódio, entre outros, familiar a quem me conhece há muito, serviu-me ao longo dos anos para ilustrar a cada vez menor distância entre o que os professores sabem e o que ensinam, isto é, que eles tendem a saber (partamos do princípio que sim) apenas o que têm de ensinar.
Vive-se, hoje mais do que nunca, na devoção a um saber «útil», no sentido instrumental, que serve alguma finalidade previamente estabelecida. Ainda há pouco tempo, dei casualmente conta de uma jovem de aspecto triste e anódino que lia um livro cuja sinopse promete ao leitor «doses maciças de estímulo» para ele se elevar «acima da mediocridade». Até a pura distracção aparece, ela própria, como uma função utilitária, que boa parte da ficção se presta a desempenhar.
Daí que a poesia esteja (ainda mais) atirada para o canto das inutilidades. De facto, a poesia não é «instrumental», como uma chave de parafusos o é. «O poema é antes de tudo um inutensílio», disse o poeta brasileiro Manoel de Barros.
A «utilidade» que um leitor for capaz de encontrar na leitura de livros «inúteis» continua a ser um dos grandes fascínios da leitura: não uma utilidade instrumental, mas um eco que o repassa, como se fosse o primeiro e único leitor de cada um deles. Como se tivesse descoberto, por si e só para si, a senha do singular acesso ao que Raul de Carvalho descreveu como «a santa clareza com que os Poetas falam nas trevas das coisas mais escuras.»
Convido todos a abastecerem-se, ao longo destes dois últimos dias da feira do livro, de alguns livros inúteis.


 Jorge Colaço

 

publicado por annualia às 23:25
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Segunda-feira, 4 de Maio de 2009

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Ao que parece, não existe hoje um público leitor/comprador de livros de contos. Sendo assim, também não há quem os publique. Provavelmente, também não há quem os escreva. Imagino várias razões para que isto aconteça, mas uma surge com particular evidência: o conto é uma arte difícil. Porquê? Porque é mais «fácil» escrever um romance do que uma história breve. Pondo o dedo na ferida: é mais fácil (e mais rápido) escrever muito do que escrever pouco.

O conto exige uma dupla contenção. Em primeiro lugar, na arquitectura da história, desbastada do que não seja essencial para situar, desenvolver apenas na justa medida para tirar um determinado efeito: poético, absurdo, enigmático, exemplar, o que for. Em segundo lugar, a contenção da escrita. Tudo tem de ser dado de uma forma concentrada, encontrando na personagem e na paisagem um traço essencial mas suficiente para estabelecer um contrato de cumplicidade com o leitor. É que a arte do conto é exigente, tanto para quem escreve como para quem lê. Dá trabalho a ambas as partes.
Atribui-se a Drummond a frase «escrever é a arte de cortar palavras», certeira formulação de um lema que não é propriamente novo. Já Boileau tinha escrito: «Si j'écris quatre mots, j'en effacerai trois». Eis um procedimento que reclama tempo e meditação. 
As colectâneas de contos, tão frequentes noutro tempo, quase desapareceram por completo. Praticamente todos os grandes romancistas escreveram contos, depois coligidos ou antologiados, exercitando assim um género que está para a grande narrativa como o desenho está para a pintura. E sabemos todos como pintam os artistas que não sabem desenhar. 
Seria fastidioso, porque todas as listas são fastidiosas, enumerar os grandes contos ou os grandes contistas da literatura universal, nem sei se é ainda possível descobrir na feira do livro muitas das velhas ou não tão velhas antologias. De qualquer maneira, é certamente possível redescobrir os mestres contadores de língua portuguesa (Machado de Assis, Trindade Coelho, Torga, João de Araújo Correia e muitos outros que injustamente aqui não cabem), até porque algumas das suas colectâneas são obras fundamentais, como a Léah de José Rodrigues Miguéis, O Fogo e as Cinzas de Manuel da Fonseca, as Histórias Castelhanas de Domingos Monteiro, de novo apenas para referir uns poucos. 
Escrevia há pouco tempo Alberto Manguel que «por absurdas razões comerciais, as editoras decretaram que os contos não se vendem», acrescentando, porém, que, apesar disso, eles continuariam a ser escritos e lidos «talvez porque, na sua precisão clássica e modesta, permitem que concebamos a insuportável complexidade do mundo como uma íntima e breve epifania.»

 

 

Jorge Colaço

 

 
publicado por annualia às 14:26
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Sexta-feira, 1 de Maio de 2009

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Ontem, primeiro dia da feira do livro, uma jovem que viajava no mesmo autocarro em que eu seguia, manifestava ao telefone a sua imensa felicidade por ter acabado de enviar o seu primeiro romance a um concurso (de romances, imagino). O entusiasmo da jovem, que não teria mais de vinte e um ou vinte e dois anos, era visível, apesar de contido nos limites de uma aparente serenidade. Percebia-se que era estudante universitária, por razões que não vêm ao caso explicar, mas que se prendem com o facto de as pessoas, e não apenas os jovens, falarem hoje publicamente ao telefone sem pudor de imporem a sua intimidade a quem, por mero acaso, as rodeie. A emoção do nome impresso, e a projecção nele de toda uma família de expectativas, transparecia de forma tocante na voz e na expressão da rapariga, que acrescentou, como quem tira um dia ao calendário das ambições, só lhe faltar agora plantar um árvore e fazer um filho. Infelizmente, o interlocutor não reconheceu o lugar-comum.
Pouco depois, num primeiro passeio pela feira, ainda meio aberta, meio fechada, pensei, à medida que os meus olhos se abismavam no prodigioso espectáculo a que a ficção hoje se entrega, em que língua teria escrito a jovem do autocarro o seu romance. Não me entendam mal, ela certamente usou a língua materna. Mas que parte dela?
A língua é uma pátria longínqua. Perdida na sua própria grandeza, estreitou-se. A vigorosa variedade vernacular cedeu às pressões do uso comum, da preguiça comum, da ignorância comum e do comum descaso. E, neste minguado território, quase se perdeu a noção de que, para se escrever bem, não basta arrumar ordeiramente as palavras nas frases.
Lembrei-me, depois, de uma observação de Paul Morand num prefácio às Lettres Persanes, deMontesquieu: «un vrai roman s’écrit avec ce qui nous manque, avec ce qui nous fait souffrir». Se isto é verdade (e o comentário não se dirige à jovem do autocarro, a quem desejo êxito), são cada vez mais raros os verdadeiros romancistas.


Jorge Colaço

publicado por annualia às 12:55
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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2008

OPINIÃO: Diário Quase Completo


As lembranças de Sião:
uma leitura de Diário Quase Completo, de João Bigotte Chorão

por Jorge Colaço
 
 
 
 
Diários há que exprimem uma fidelidade aos dias e aos gestos, minuciosos registos de existências. Há outros que, atentos aos mesmos dias e gestos, exprimem acima de tudo uma fidelidade ao espírito, não se prendendo apenas à superfície rugosa das circunstâncias, embora também delas emanando. Não se estranhará, pois, que a leitura de um desses diários, em que sobretudo emerge uma voz feita de regressos a si própria, invoque, como referência, a instância poética.
Não porque «de todos os géneros literários, nenhum mais híbrido do que o diário» (pág. 38), podendo nele caber até o poema, em prosa ou não, mas pela natureza fragmentária da forma e pela pouca sedução pelos sistemas que faz com que o autor dos diários de Diário Quase Completo (Imprensa Nacional, Lisboa, 2001), afirme «Quero-me antes com os poetas» (pág. 114). A voz que atravessa a prosa, límpida e vigiada, de João Bigotte Chorão, revela-se lírica pela rede de intensidades que estabelece (de algum modo afins das fulgurações poéticas ou das formulações aforísticas) e que o espírito vai envolvendo, religando e dando continuidade, como música íntima e paradoxal, simultaneamente feita de esperanças e de fundamentais angústias. É a tentativa de encontrar os movimentos dessa música de fundo, que supera as diversidades e adversidades do tempo e dos tempos, que me dá fundamento para abordar aqui a obra sem atender às suas naturais divisões.
Há, na prosa dos diários de João Bigotte Chorão — de assinalada filiação torguiana, pelo despojamento: «A preocupação da sinceridade nunca deverá compelir-nos a publicar o que é estritamente reservado» (pág. 49) —, uma dupla presença de ressonância camoniana.
Em primeiro lugar, porque Camões nos surge como constante poética de uma vida, matriz cultural e pessoal: «não o poeta oficial, o património colectivo, mas o meu poeta, património individual» (pág. 555), «santo da minha devoção» (pág. 543).
Depois, porque essa matriz é também a «da decadência, do desastre, do desconcerto do Mundo», temas caros à reflexão de João Bigotte Chorão, e capaz de inspirar «todo um sentimento trágico da vida», a que só Unamuno saberia dar completa expressão filosófica e cujo imperativo o Autor sente como essência necessária ao homem, ao escritor e ao cristão.
É de Sião que João Bigotte Chorão se lembra na desolada Babilónia das noites inquietas. É a Sião que aspira na «árida solidão» de Babilónia (pág. 142), mundo degradado, caído, mundo dessacralizado, confuso por fora e por dentro seco (vejam-se a título de exemplo as entradas relativas aos sucessivos Natais) — e, como no texto camoniano, Sião é aqui, de uma vez só, um tempo (pessoas, valores, livros, autores, objectos) quase irrecuperável nas ruínas do presente, mas também um futuro, mais além, «alta torre» à qual, como o poeta, não pode ascender sem o auxílio de Deus, fidelidade maior, simultaneamente problema e solução.
Porém, se em Camões é a vida vivida que fala, no Diário de João Bigotte Chorão a vida é sobretudo a meditada no recolhimento e inquietação interiores, vida espiritual. Se em Camões fala o homem de acção e de experiência, aqui fala sobretudo o leitor (de cartas, memórias, diários, livros, documentos, testemunhos: «Na obra procuro sempre o autor. E conhecê-lo, conhecer o seu rosto, interessa-me tanto como conhecer as suas ideias», pág. 113), o escritor, o espectador. Camões terá podido conjurar o desgosto da vida através da arquitectura heróica da epopeia lusa. Ao Autor, resta-lhe fazer ressurgir, com cuidados de arqueólogo, pedaços de Sião perdido, perseguir vivazes lembranças de Sião nas ruas de Babilónia. E a única epopeia possível é a do Eu, a única aventura heróica a da resistência do Eu, em busca de um eco («E é na esperança de encontrar eco para o meu grito que tiro da gaveta o diário», pág. 143), de uma afinidade, de uma partilha, «apesar de todo o silêncio» (pág. 117), epopeia da «extraordinária aventura de escrever» (pág. 117), sotto voce, anti-epopeia portanto, apenas fidelidade a si mesmo.
Figuração de diária resistência interior, o Diário de João Bigotte Chorão vai traçando um itinerário de «vozes fraternas» que falam «da mesma angústia, tornando assim menos solitária a nossa solidão» (pág. 124), fazendo surgir a nossos olhos da primeira à última página uma verdadeira e aristocrática «família espiritual» consagrada pela admiração literária e artística, sem outro compromisso que não seja a adesão a um estilo literário, a um fulgor intelectual, a uma visão do mundo, a um universo de valores, ou, ainda, à grande âncora da amizade.
Vão-se destacando as figuras deste convívio exigente, tão diversas entre si, mas ardendo em idêntico lume dramático. Papini: «escritor…multifacetado» (pág. 15), León Bloy : «Com Bloy, desço aos abismos onde as trevas me cegam e subo aos altos cimos onde a luz me cega também.» (págs. 412-413), Julien Green: «Chaque homme dans sa nuit... Como não estremecer diante desse espelho que nos devolve a nossa inquieta imagem?» (pág. 158), Unamuno: «tão vasco e, no entanto, salmantino, tão salmantino e, no entanto, espanhol, tão espanhol e, no entanto, universal» (pág. 383), Jünger: «o último dos patrícios ou o último dos aristocratas» (pág. 528), Vintila Horia: «Eis um homem com o qual me posso entender: ele está exilado da sua terra, eu estou exilado na minha» (pág. 100), Soffici: «escritor que foi sempre, mesmo quando escrevia, pintor» (pág. 231), Prezzolini: «atraiu-me logo a mente clara [...] e aquele seu modo impertinente, que parece quase cínico, de pensar e de escrever» (pág. 366), Miguel Ângelo: «A pintura é na verdade coisa mental, e na obra de Miguel Ângelo tanto se admira o génio do artista como a audácia do pensamento» (pág. 135), Rouault: «a arte religiosa de um tempo de violência e de tragédia» (pág. 538), Almada: «junto de quem nos sentimos inteligentes por contágio, ou estúpidos por contraste» (pág. 105), Bresson: «diálogo entre a luz e a sombra, o ruído e o silêncio, o dizível e o inexprimível» (pág, 449).
E, claro, Camilo: «Não, não pertenço a nenhuma família política ou religiosa. Sou um viajante solitário, sem compromissos nem dependências de grupos. (…) Se pertenço a alguma família, é à família camiliana.» (pág. 540), Tomaz de Figueiredo: «amigo e mestre» (pág. 470), Francisco Costa: «A literatura foi nele a expressão, ao mesmo tempo inteligente e culta, da vida» (pág. 436), João de Araújo Correia: «escritor solitário», um «patriarca» (págs. 193 e 357), Torga: «Torga foi um dos mais belos capítulos da minha vida, pela atenção e estímulo da sua parte, pela admiração e fidelidade da minha parte»» (pág. 526).
Mas também Pascal, Corção, Gide, Goya (o Goya dos Caprichos), Montherlant, David Mourão-Ferreira, Cioran, Camões: «Camões, Camilo, Cioran — o poeta do desconcerto, o novelista da fatalidade, o pensador da decadência — são os autores cuja companhia me é, singularmente, salutar.» (pág. 433),
                A capacidade de admirar é, aliás, um aspecto importante, que o autor de Camilo Camiliano e de O Essencial Sobre Camilo reclama para si e sem a compreensão do qual a leitura do seu Diário fica irremediavelmente ferida («A minha arte poética: pôr no que escrevo, não o que detesto, mas o que amo», pág. 113). Em Cioran, por exemplo, releva entre tudo os Exercices d’admiration (págs. 530-531), que a seus olhos de algum modo atenua o niilismo de outras obras, mais cruas, mas ainda assim admiradas pelo desafio do paradoxo e pelo recorte da prosa, expressão de um ‘amor da literatura’ que já tive ocasião de salientar noutro lugar (Cf. Brotéria, vol. 149, Julho de 1999). Admirações que são também dívidas, como as que mantém em relação à cultura italiana (pág. 80), à qual se sente atavicamente ligado.
               Admirações que obrigam, que impõem responsabilidades intelectuais. Em Abril de 1977 (pág. 301), incansável epistológrafo à rebours desta Babel de palavras ao vento, anota a recepção de uma carta de Mircea Eliade, outro dos 'latinos do Oriente' com quem contacta, que lhe revela a existência de um diário português inédito, aqui escrito durante os anos de guerra. A demanda desse manuscrito, movido pelo desejo e pelo dever de 'trazer à luz', de 'dar a conhecer', só haveria de terminar um quarto de século depois, com a sua publicação em outro país, de algum modo o preço da «nossa indiferença, ou quase indiferença» (pág. 408)*. Pequeno país, demasiado pequeno, para tanta História.
Admirações que, no seu conjunto, constituem uma viagem a territórios da cultura e da literatura sobre os quais caiu ou vai caindo o largo manto do silêncio, viagem a um mundo cujo desaparecimento se vai materializando, ao longo dos quarenta anos de Diário, na morte (real e simbólica) de muitos dos seus protagonistas. É, também aqui, a resistência contra o esquecimento — «Devo ter sido o único que em Portugal se lembrou de Papini, ontem que fez um século que ele nasceu» (pág. 351) ou «Suspeito que no Brasil o centenário de Corção será celebrado apenas com o silêncio» (pág. 549). Contra os sempre atentos vigilantes ideológicos. Resistência à ‘indústria cultural’, que, com o seu circo feérico de clowns e ilusionismos, tudo entrega à voracidade das sombras.
Leitores deste Diário, participaremos também desta resistência.

* O diário português de Eliade conheceu finalmente edição portuguesa em 2008, na Guerra e Paz. João Bigotte colaborou na sua revisão e anotação, tendo participado do seu lançamento.

[Texto originalmente publicado em 2002 na revista Foro das Letras, dirigida por António Osório]
 
 
publicado por annualia às 13:56
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