Cronista e escritor, colunista político do New York Times (Nova Iorque, 17.12.1929 – Rockville, Maryland, 27.9.2009) galardoado, em 1978, com o Prémio Pulitzer. Iniciou a sua carreira como repórter do The New York Herald Tribune. Produtor de rádio e televisão, conseguiu ardilosamente juntar Nixon e Krutschev num debate realizado em Moscovo, em 1959. Ligado à campanha presidencial de Nixon, escreveu diversos dos seus discursos como presidente. Em 1975, escreveu as memórias desses anos no volume Before the Fall. Organizador de dicionários e antologias, William Safire é autor de quatro romances: Full Disclosure (1978), Freedom: A Novel of Abraham Lincoln and the Civil War (1987), Sleeper Spy (1995) e Scandalmonger (2000). Membro da administração dos Prémios Pulitzer desde 1995, Safire manteve ainda, a partir de 1979, uma coluna semanal no The New York Times Magazine, intitulada «On Language», onde abordou questões de gramática, uso e etimologia, textos que depois foi reunindo em diversos livros.
QUASE ESGOTADO
Escrever letra à frente de letra, palavra após palavra, frase a frase, sem erros de ortografia, de pontuação e de acentuação, sem grandes deslizes de sintaxe e de sentido, embora hoje um feito digno de nota, não deveria ser um facto notável em si mesmo. Sobretudo se estivermos a falar de gente que escreve, edita, revê, traduz, publica.
O que quero dizer é que para escrever bem, não basta escrever certo. Do ponto de vista do acerto, não faltam hoje legitimações de vasta gama de usos e costumes espúrios. Para escrever bem, no entanto, é necessário conjugar alguns outros factores, objectivos uns, muito subjectivos outros, mas nem por isso inexistentes ou menos importantes – a adequação e propriedade do que se diz, a escolha mais ou menos feliz das palavras, relacionável com a maior ou menor familiaridade com a língua e a maior ou menor consciência da sua plasticidade, o tom que se adopta, expresso pelo grau de formalidade ou informalidade, pelo ritmo imprimido, pela pontuação, pelo cúmulo de cultura implícita, pelo tipo de recursos utilizados, a elegância da frase…
Mas como medir a elegância da frase e a pertinência comunicacional ou estilística de uma determinada opção lexical ou sintáctica? Como se mede o gosto ou a falta dele? Este é um terreno difícil, onde facilmente se esbarra no relativismo opinativo e reinante. Um simples «eu não acho» deita por terra quaisquer argumentos.
Veja-se a diferença, nestes exemplos muito simples, entre escrever «como é que se cumprimenta um extraterrestre?» e escrever «de que forma se cumprimenta um extraterrestre?», entre «que é que se diz a um taliban?» e «que conversa manter com um taliban?», entre «como é que se discute com um urso?» e «como discutir com um urso?». Nenhuma das frases está gramaticalmente errada, mas há uma diferença, para quem estiver em situação de a compreender.
O drama é que hoje quem lê, mesmo profissionalmente, lê a um nível baixo: o que nunca ouviu está mal e o que não conhece não existe. Escrever bem, não apenas escrever certo e dentro dos limites de um fraseado insípido e incolor, surge como uma estranheza, uma anormalidade que é aconselhável reduzir ao corrente e vulgar.
Muitos chamam «simplificação» a este processo de tornar uniforme e raso o que não entra nos seus padrões de uso. Mas esta suposta simplificação, inimiga confessa do estilo, faz cair textos realmente bem escritos, sobretudo se forem saborosamente bem escritos, no campo de um exotismo intolerável.
Neste mundo às avessas, escrever bem, nesta acepção não exclusivamente gramatical, tornou-se perigosamente conotado com escrever mal. E é este mal, neste preciso sentido, que muitos resolveram querer assanhadamente extirpar.
Como se costuma dizer: «é o que temos, o resto está esgotado». Ou, pelo menos, está quase.
JORGE COLAÇO