ENVOI
Depois de morto o quê? Queimado, não.
E também não fechado num caixão,
sempre padeci de claustrofobia. Quero
- se possível - secar ao sol e à chuva,
sem ser enterrado. Certo que hão-de pôr-me
debaixo da terra nalguma parte,
se não me engavetarem num jazigo.
Não quero regressar à terra maternal,
que não me atrai como memória de útero,
nem me quero arquivado em lata de conserva.
Posso pedir, por exemplo, que me deitem ao mar:
Não deitarão. Será que me enterravam
numa praia, na areia, aonde as águas viessem?
Se têm de me enterrar, que seja assim,
Mas não vestido, nem penteado, nem lavado.
Nu. Que me penteie o mar molhando a areia,
e eu de mim escorra as águas que me lavem.
Nas grandes marés vivas ondas recurvadas
virão estrondear por sobre mim, rapando
em espuma rechinante a areia que me cobre.
Nada ouvirei, nem sentirei, carcassa,
emerge um pé daqui, além um braço,
e mais acima uma caveira rindo.
Se o mar me não levar, enterrem-me depois
como quiserem, descarnado e limpo.
Terei assim, ao menos por um tempo,
o sol, a areia, o mar por minha conta
como quem vai deitar-se numa praia
e nu, olhando o céu, sonha de si
e de outros corpos nus na areia ardendo
que o som das águas cobre como amor que molha
num refrescar da pele acariciada ao vento.
18.12.1971
JORGE DE SENA
em 40 Anos de Servidão, Moraes Editores, 1979
Ver notícia aqui.
Escritor russo (Kazan, 1932 – Moscovo, 6.7.2009) que alcançou proeminência no breve período de abrandamento do regime soviético que se seguiu à morte de Estaline. Os pais tinham sido vítimas das purgas estalinistas de 1937 e Aksyonov passou parte da infância no gulag. Em 1956 licenciou-se em Medicina, que exerceu enquanto florescia a sua vocação de escritor. Inicialmente, o escritor conseguiu sobreviver no interior do regime soviético, alcançando mesmo alguma notoriedade, sobretudo pela suas capacidade estilística, mas tanto a sua atitude pessoal como a sua escrita conduziram-no a uma progressiva dissidência. No romance «A ilha de Crimeia» imagina o que teria sido a vida naquela península do mar Negro se os russos brancos tivessem vencido os bolcheviques. Em 1980, após a publicação em Itália do romance «A queimadura», Aksyonov foi forçado ao exílio nos EUA, onde foi professor e continuou a escrever obras como In Search of Melancholy Baby, onde fala da sua experiência de emigração, The Negative of The Positive Character, uma colectânea de contos, ou o épico Generations of Winter, no qual narra o impacto do estalinismo numa família moscovita ao longo de três gerações e que foi transposto para televisão, na Rússia, em 2004.
Foram muito duras as palavras que o Dalai Lama usou para falar dos 50 anos da sua fuga para o exílio. Perante milhares de tibetanos reunidos em Dharamsala, na Índia, o líder espiritual reiterou que o Tibete deve gozar de uma “autonomia significativa”. Mas acusou as autoridades chinesas de levar “o inferno para a Terra” no “Tecto do Mundo”. [ler no Público]
2000 anos
por Aires A. Nascimento
Universidade de Lisboa
Ovídio entre os Citas, de Eugène Lacroix (National Gallery, Londres)
O texto integral dos artigos de ANNUALIA 2008-2009 está apenas disponível na edição em papel, que pode ser adquirida em www.editorialverbo.pt ou em qualquer boa livraria do País.