Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008

Céline publicado pela Ulisseia

 

Trilogia de Céline publicada pela primeira vez na íntegra em Portugal
por João Carlos Alvim


 

Há dois momentos essenciais na obra de Céline. O primeiro é talvez o mais conhecido. Quando se fala deste autor – por sinal, um dos mais extraordinários escritores da literatura francesa do século XX, ao mesmo tempo central (pelas suas inovações estilísticas, e também pelo caminho que abriu a muitos que se lhe seguiram) e marginal (pelo carácter atrabiliário de muito do que escreveu, de muito daquilo em que acreditou) – toda a gente se lembra logo do célebre Viagem ao Fim da Noite. E no entanto este seu primeiro romance estava ainda longe da «música» celiniana, daquilo que viria de facto a caracterizar o seu estilo inconfundível.

Talvez em nenhuma outra fase, em nenhuma outra das suas obras, se tenha dado uma tão feliz confluência entre conteúdo e estilo do que nesta trilogia final (Castelos Perigosos, Norte e Rigodon) que a Editora Ulisseia vai pela primeira vez publicar na íntegra em Portugal. Ainda há poucas semanas, aliás, num artigo publicado no Nouvel Obervateur, a propósito da saída, em França, da obra de Henri Godard, Un Autre Céline, considerava Philippe Sollers (aqui) que esta trilogia fazia parte dos seus «mais belos livros». E acrescentava, num toque assassino «há ainda alguns atrasados que pretendem limitá-lo à Viagem».

 

Confluência de estilo e conteúdo? Pela primeira vez, com efeito, Céline está aqui no centro dos acontecimentos. E os acontecimentos estão à altura do seu delírio: esta é a história do crepúsculo dos deuses. Ou pelo menos do crepúsculo da Alemanha ensanguentada (que nos perdoe o Aquilino), de um país inteiro em chamas, e também do crepúsculo das esperanças de todos aqueles que tinham apostado tudo na vitória do Eixo. Os três romances que vão agora publicar-se formam um todo indestrinçável. Como escreve Frédéric Vitoux: «Se Norte evoca o começo da errância celiniana, de Paris às planícies de Brandeburgo, passando por Baden-Baden e Berlim, Castelos Perigosos inscreve-se no meio de Rigodon. Este último (o romance póstumo de Céline) conta no essencial as duas viagens de comboio, feitas primeiro de norte para sul, até Sigmaringen, e depois de sul para norte, de Sigmaringen até à Dinamarca, enquanto Castelos Perigosos se atém à história dos meses passados na pequena cidade do Bade-Wurtemberg, transformada de súbito em refúgio de todos os colaboracionistas em fuga e no derradeiro território francês do governo de Vichy.»
De modo que, a partir de Castelos Perigosos, o estilo apocalíptico de Céline encontra como também diz Frédéric Vitoux, a grande história. E o mesmo crítico conclui: «A escrita celiniana atinge, neste equilíbrio entre o delírio fantasmático e o real, a sua máxima perfeição…».

 

Perfeição, pois. Mas era preciso que a versão portuguesa da obra não traísse esse seu estatuto. Deve-se a Clara Alvarez, a tradutora das três obras, o ter garantido isso. Não era uma aposta nada fácil de ganhar. Estes livros são de uma complexidade muito grande, a riqueza vocabular de Céline é deveras esfuziante, de modo que conseguir transmitir, em português, toda a genialidade do autor exigia uma quase idêntica genialidade no trabalho de tradução. Isso foi, a nosso ver, conseguido, e a publicação destas obras é, igualmente, uma forma de homenagear a própria tradutora.

publicado por annualia às 12:35
link | comentar
1 comentário:
De bizantino a 23 de Agosto de 2009 às 17:37
Parabéns pelo blog e pelo post sobre céline quando os surrealistas por vezes são esquecidos e sem o devido valor,quando revolocionaram o mundo literário com o seu génio. Gostava de te convidar a visitar o meu blog onde vais encontrar mt material sobre eles e muito mais.

Comentar post

ANNUALIA
annualia@sapo.pt

TWITTER de Annualia

Artigos Recentes

Prémio de Poesia Luís Mig...

Prémio Pessoa 2009/ D. Ma...

Prémio Goncourt de Poesia...

Prémio Cervantes 2009/ Jo...

O Homem da Capa Verde

Anselmo Duarte (1920-2009...

Francisco Ayala (1906-200...

Claude Lévi-Strauss (1908...

Prémio Goncourt/ Marie Nd...

Alda Merini (1931-2009)

Arquivo

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

tags

todas as tags

pesquisar

 

Subscrever feeds

blogs SAPO