Permitam-me que reviva convosco nesta página uma tradição carnavalesca eborense. Era costume, ou talvez ainda seja hábito, hoje em quinta-feira de comadres, as ditas se juntarem para fazer azevias ou pastéis de grão-de-bico. Só entre mulheres. Os homens estavam proibidos de entrar na cozinha, mesmo a pretexto de ajudar. A massa tem uma preparação delicada, só acessível a mãos femininas. É a massa tenra bem portuguesa com que se fazem as filhós estendidas, de Natal, mas também
de Carnaval, os coscorões e é igualzinha à do Strudel. Conhecem? Bem batida, a massa tenra rende até ao desespero. Nunca mais acaba. O recheio das azevias de grão vale bem o trabalho que dá e pode ser feito com antecedência. A receita, que com carinho lhes vou transmitir, é a que a minha Mãe fazia, sem pesos nem medidas, a olho, mas que ao fritar empolavam quais balões prontos a rebentarem.
A minha Mãe, que era muito reservada e contida mas não destituída de humor, apimentava bem o recheio de algumas e recheava outras com algodão, pregando assim inocentes partidas aos amigos, justificando deste modo as azevias de grão-de-bico como uma doçura carnavalesca.
Acrescento aqui que não desconheço que em Portalegre e em Beja se fazem pelo Natal. Cada terra com seu uso…
Azevias de grão-de-bico
Para a massa:
500 g de farinha;
90 g de banha;
1 colher de sopa de azeite;
água morna;
1/2 colher de café de sal.
Para o recheio:
500 g de grão-de-bico;
500 g de açúcar;
raspa da casca de 2 limões;
8 gemas.
Como pode preparar o recheio com antecedência, comece por aí. Na
antevéspera, ponha o grão de molho em água fria. No dia seguinte, coza-o em água temperada com sal. Pele-o e reduza o grão a puré. Leve o açúcar ao lume com um pouco de água e deixe ferver até obter um ponto forte – muito próximo do rebuçado. Fora do lume (para não se queimar) junte o puré de grão e leve ao lume até ver o fundo do tacho, mexendo. Adicione a raspa da casca dos limões e as gemas, misture e leve ao lume, outra vez, mas só o tempo de cozer as gemas (1 a 2 minutos). Deixe arrefecer no frigorífico até à altura de utilizar.
Massa: peneire a farinha para uma tigela, junte a banha e o azeite e misture com as pontas dos dedos. Junte água morna temperada com sal, gota a gota, e amasse. Trabalhe e bata a massa energicamente de modo a ficar elástica. Ponha a descansar, tapada durante 1 hora, pelo menos. Retire um bocado de massa e estenda-a numa tira muito fina, tendo em conta que é para rechear. Sobre um dos lados da tira, em linha, disponha pequenos montinhos de recheio; dobre a massa (o lado livre) de modo a cobrir o recheio. Com uma carretilha corte a massa pelos intervalos em meias luas ou rectângulos. Frite os pastéis em azeite ou óleo bem quente, escorra sobre papel absorvente e polvilhe com açúcar e canela.
Lembro-me muito bem de numa certa 5.ª feira de comadres ter acordado ao som do barulho que vinha da cozinha que não reconheci como sendo o habitual das colheres a bater no tacho. Fiquei sempre convencida de que, naquela noite, as comadres fizeram um rombo no licor de tangerina, que a minha Mãe tão bem sabia fazer.
Maria de Lourdes Modesto em Palavra puxa Receita (crónicas publicadas no Diário de Notícias), Editorial Verbo.