por Josué Montello*
*
Em Fevereiro de 1868, quando José de Alencar, já então consagrado como a maior figura das letras brasileiras, apresentou Castro Alves a Machado de Assis, este ainda não completara vinte e nove anos de idade. Mas o mestre de O Guarani já o tinha em tão alta conta que nele reconhecia uma posição preeminente na crítica literária. Textualmente, escrevia Alencar na carta aberta em que lhe recomendava o poeta baiano: «Do senhor, pois, do primeiro crítico brasileiro, confio a brilhante vocação literária, que se revelou com tanto vigor. Seja o Virgílio do jovem Dante, conduza-o pelos ínvios caminhos por onde se vai à decepção, à indiferença e finalmente à glória, que são os três círculos máximos da «divina comédia do talento».
*
Machado de Assis, entretanto, ainda estava longe de realizar as obras que definitivamente o consagrariam, no dizer do crítico José Veríssimo, como «a mais alta expressão do nosso génio literário, a mais eminente figura da nossa literatura». O certo é que, cedo ainda, ele dera mostras da força e da originalidade de seu talento, como poeta e prosador, ao mesmo tempo que deixava entir uma linha de conduta exemplar, prenunciadora da liderança que, andando o tempo, iria naturalmente exercer entre seus confrades, como mestre e companheiro.
*
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, no Morro do Livramento, a 21 de Junho de 1839. Filho legítimo de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis, foi baptizado na capela de Nossa Senhora do Livramento a 13 de Novembro daquele ano, tendo por padrinhos Joaquim Alberto de Sousa da Silveira e D. Maria José de Mendonça Barroso. O nome do menino como se vê, há de ter sido composto com o prenome dos dois padrinhos, ambos figuras de destaque e influentes, ele veador do Paço, ela viúva do senador Bento Barroso Pereira, antigo ministro de Pedro I e da Regência.
*
Do pai de Machado de Assis, sabe-se que era mulato forro, natural do Rio de Janeiro, com ofício de pintor e dourador, morando como agregado numa casa vizinha à xácara da viúva do senador Barroso. Em 1838, Francisco José de Assis tinha-se casado com Maria Leopoldina, açoriana, natural da ilha de São Miguel, e vinda de lá para o Brasil em 1836.
*
O menino ainda não tinha dez anos quando, em Janeiro de 1849, perdeu a mãe, vitimada pela tuberculose. Dela guardou o barão Schmidt de Vasconcelos, íntimo amigo de Machado de Assis, a notícia de que era preta, e a este facto alude Mário de Alencar em mais de um depoimento escrito.
*
A um cura da capela de São João Baptista, na Quinta da Boa Vista, padre Silveira Sarmento, parece que deveu o menino Joaquim Maria um pouco da sua instrução elementar. Mário de Alencar, que teve a intimidade quase filial do grande escritor, informa-nos presumir que «machado só frequentou escolas públicas e que teve por mestres aquele e algum outro padre, nas folgas de seu ofício de sacristão, que parece foi até os 14 ou 15 anos».
*
O que parece certo é que aprendeu mais consigo mesmo que com os mestres, e daí ao longo da vida e coerência do autodidacta, mestre si mesmo, com o génio próprio e o gosto da aplicação que ninguém lhe ensinou. Quanto a ter sido sacristão, na velha igreja da Lampadosa, há pelo menos um testemunho: o de Ramos Paz, seu amigo e companheiro de adolescência.
*
* Publicado em Gigantes da Literatura Universal, vol. 26, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1972.