Escritor, crítico e editor português (Lisboa, 7.5.1925 - Montijo, 5.1.2008). A sua diversa actividade enreda-se nas atribulações de uma vida marcada pela irregularidade dos amores, pelo escândalo das relações, os processos judiciais, a prisão, os filhos, o álcool, a fome, a doença. Homem de muitas casas e lugares, foi jornalista ocasional, revisor tipográfico, tradutor. Frequentou, a partir de 1944, o Curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, que nunca irá concluir. Em 1950 cria a «Contraponto», que editará (em alguns casos pela primeira vez) Cesariny, António Maria Lisboa, Herberto Helder, Manuel de Lima, Vergílio Ferreira, Natália Correia, o próprio Pacheco, para só citar alguns dos portugueses. Os Cadernos de Crítica e Arte não sobreviverão, porém, ao terceiro número (1950, 1952, 1962). Ainda nos anos 50 lança uma curiosa colecção (Teatro de Bolso) sem paralelo, destinada a acompanhar as representações teatrais dos palcos lisboetas.
O seu talento de escritor («não sou um escritor, sou um gajo que escreve», dirá Pacheco em 1995) manifesta-se em textos breves de género indefinido escritos numa prosa desembaraçada tocada de lirismo desavergonhado, por vezes cru, por vezes pungente, em que o seu longo convívio com a gente do surrealismo também deixou marcas: vejam-se os casos exemplares de Comunidade (1964), talvez o seu texto mais belo, O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor (escrito no início da década de 60, mas só publicado em 1970) ou Os Namorados (texto iniciado nos anos 50, editado em 1984). Outros textos, de brevidade semelhante – panfletos, provocações, implicações –, de merecimento desigual, mas veículos de uma mordacidade crítica impiedosa e não veneradora, revelam ainda um Luiz Pacheco igualmente polémico e incómodo.
De mistura com as misérias da vida, a fama de desbocado e maledicente cedo deixou cair sobre Luiz Pacheco uma sombra (ou dever-se-á dizer aura?) de maldição, que o autor sempre viu com desdém (cf. «O que é um escritor maldito?», dois artigos publicados no Suplemento Literário do Diário de Lisboa, em 1971, republicados com alterações em Literatura Comestível, 1972). Libertino num tempo de costumes apertados em que o epíteto podia ainda fazer sentido («conheci gente devassa, libertinos muito poucos», diz num célebre prefácio à edição portuguesa, de 1966, de Philosophie dans le Boudoir de Sade), avesso a tiranias, persistentemente «cínico e só», tudo dissolvendo numa gargalhada, Luiz Pacheco conservou na sua prosa (literária, crítica, autobiográfica sempre) uma lucidez desbragada e vivida. Afinal, só é maldito quem pode.
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Algumas obras para além das já citadas e dos textos dispersos por diversos jornais, Carta-Sincera a José Gomes Ferreira (1958), O Teodolito (1962), Crítica de Circunstância (1966), Textos Locais (1968), Exercícios de Estilo(1971, reed. aumentada, 1998), Pacheco vs. Cesariny (1973), Textos de Circunstância (1977), Textos Malditos (1977), Textos de Guerrilha - I (1979), O Caso das Criancinhas Desaparecidas (1981), Textos de Guerrilha - II (1981), Textos do Barro (1984), Textos Sadinos (1991), O Uivo do Coiote (1992), Memorando, Mirabolando (1995), Cartas na Mesa (1996, apresentação e notas de Serafim Ferreira), Prazo de Validade (1998), Isto de estar vivo (2000), Uma Admirável Droga (2001), Mano Forte (2002), Raio de Luar (2003), Figuras, Figurantes e Figurões (2004), Diário Remendado 1971-1975 (2005), Cartas ao Léu (2005).
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Jorge Colaço
em Biblos-Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa