Terça-feira, 30 de Junho de 2009

Pina Bausch (1940-2009)

Bailarina e coreógrafa alemã (Solingen, 27.7.1940 – Wuppertal, 30..2009), trabalhou, em Essen, com Kurt Jooss (1955-1959). Durante uma estada na América, estudou técnicas de dança moderna americana e recebeu influências de personalidades importantes, como Antony Tudor, Paul Taylor e José Limíon, entre outros. Criou um estilo muito pessoal, em que transparecem a violência, o humor negro, o gosto pela caricatura, tornando-se uma das figuras preponderantes da dança moderna na Alemanha e no mundo. Dançou em companhias importantes (Paul Samasardo, New American Ballet, Metropolitan Opera) e, a partir de 1973, dirigiu a Ópera de Wuppertal. Assinou várias coreografias e interessou-se também pelo teatro dançado, de que se tornou um dos expoentes máximos. Visitou Portugal várias vezes. Entre as suas numerosas coreografias contam-se Café Müller, A Sagração da Primavera, Kontartof, 1980, Ein Stuck von Pina Baush, Victor.

 

Ver entrevista ao Público aqui.
 
 

publicado por annualia às 20:45
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Coreia do Norte: um testemunho imperdível


«Foi em Praga, República Checa, na Primavera do ano de 2003, que me encontrei pela primeira vez com Hyok. Este rapazinho inteligente e tímido tinha sido convidado para este país de Leste por uma organização de defesa dos direitos humanos, a fim de dar testemunho sobre a sua vida na Coreia do Norte. Dois outros desertores, com uns quarenta e tal anos, tinham sido igualmente convidados. Eles evocaram longamente as suas dolorosas experiências no gulag norte-coreano. O jovem Hyok, pelo seu lado, sem dúvida devido ao seu carácter reservado, não se arriscou a pegar no microfone. Em contrapartida, o essencial daquilo por que tinha passado encontrava-se exposto nos pontos mais altos da sala alugada para essa ocasião, sob a forma de desenhos de traços umas vezes precisos, outras vezes desajeitados, mas sempre marcados por aquela sinceridade espontânea tão própria das crianças. O que ele tinha tanta dificuldade em exprimir por palavras desenhava-o às mil maravilhas, com uma excelente memória de pormenores.

Depois de ter fugido da Coreia do Norte em 1998, Hyok tinha vivido quatro anos na China e podia assim exprimir-se um pouco em chinês, língua que eu próprio falava. Tirando partido dessa ponte comum, convidei-o para se sentar à mesa comigo num restaurante de Praga. O adolescente contou-me como tinha sobrevivido à fome na Coreia do Norte: as sopas de casca de árvore, a caça aos ratos que fazia com os seus companheiros, as horas passadas a arrancar carvão nas galerias da mina, os roubos nocturnos nas herdades do Estado; o enfraquecimento, e depois a morte, de muitos dos seus camaradas de escola... Hyok relatava-me esses episódios com um ar indiferente, como se me falasse de um dia igual aos outros. Aquilo pelo qual tinha passado com olhos infantis alguns anos antes, milhões de outros norte-coreanos tinham-no igualmente vivido no seu quotidiano - e continuavam a vivê-lo no momento presente.

(...)

Três meses depois da minha entrevista em Praga com Hyok, fui ao seu encontro na Coreia do Sul, e foi em Seul, na sequência de duas semanas de colaboração e de troca de impressões, que este livro começou a tomar forma (...).

"Quando conto como é a vida na Coreia do Norte aos miúdos da minha idade na Coreia do Sul, na maior parte do tempo eles não acreditam em mim", confiou-me Hyok. O que é que isso tem de espantoso? Como descrever esses país das inverosimilhanças? A Coreia do Norte abriga um dos mais detestáveis totalitarismos do planeta. Caracteriza-se por um culto da personalidade extravagante, uma economia destruída, um império da mentira e da propaganda e um gulag de pelo menos duzentos mil prisioneiros. Este «Jurassic Park» do comunismo distila um ambiente paranóico de guerra fria onde a denúncia de qualquer forma de dissidência é erigida como virtude. A sua população está repartida em diversas dezenas de «castas» sociais hierarquizadas pela burocracia segundo o seu grau de lealdade real ou suposta em relação ao «Querido Líder» Kim Jong-Il (filho do falecido «Grande Líder» Kim Il-Sung, que morreu em 1994). A fome que ali grassa desde 1993-1994 saldou-se por dois ou três milhões de mortos entre as categorias mais vulneráveis, apesar de uma ajuda internacional maciça: esta foi, em grande parte, desviada pelo regime em proveito do seu aparelho militar. (...)

A Coreia do Norte é também o Estado mais fechado do mundo. Todos os receptores hertzianos, de rádio ou de televisão, são bloqueados pelas frequências oficiais e nenhum jornal estrangeiro se encontra disponível. Apesar disso, os desertores que conseguem fugir desse país, fechado a sete chaves, de vinte e três milhões de habitantes são cada vez mais numerosos. Cerca de trezentos mil norte-coreanos conseguiram refugiar-se na China desde meados dos anos 90. Desses, vários milhares chegaram à Coreia do Sul, arriscando a vida. Contudo (...) raros são os editores e jornalistas que se interessam pelos seus relatos surpreendentes. Aqui temos um desses testemunhos excepcionais, o de uma criança, e por isso mesmo único.»

Phillipe Grangereau, «Prólogo» a Hyok Kang/Phillipe Grangereau, «Aqui É o Paraíso!», Uma infância na Coreia do Norte, Editora Ulisseia, colecção «Os Afluentes da Memória», tradução de António Carlos Carvalho, desenhos de Hyok Kang, Lisboa, 2007.
ISBN 978-972-568-568-6


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Filosofia Aplicada

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Segunda-feira, 29 de Junho de 2009

Alfred Tennyson - ano do bicentenário

 

Poeta inglês (1809-1892) que estudou em Cambridge, mas foi obrigado a interromper os estudos, em virtude da morte do pai. No começo da segunda metade do século xix fizeram-no poeta laureado da corte da rainha Vitória, tendo sido considerado em vida o maior poeta do seu tempo. Sobre Tenyson escreveu João Almeida Flor na Enciclopédia Verbo:«Alfred Tennyson é uma personalidade dialéctica, sempre oscilante entre o desejo e a frustração, o conformismo e a recusa, o comprometimento e o distanciamento, a transitoriedade e a permanência. A sua grandeza deriva de uma total dedicação à missão do poeta como intérprete dos sinais dos tempos, difundindo entre os homens a sua visão. Curiosamente divorciado das realidades mais profundas do seu momento histórico no campo social e económico, Alfred Tennyson. procurou ser um poeta do e para o seu tempo, afirmando o sentido último do universo como projecto da Providência e a unidade cósmica subjacente à heterogeneidade aparentemente caótica das coisas. A poesia de Alfred Tennyson é um debate contínuo que explora as possibilidades de conciliação das crenças tradicionais com as conquistas do séc. xix, um esforço de síntese entre as inquietações metafísico-religiosas de raiz romântica e o saber positivista da revolução industrial. Considerado em vida como o maior poeta do seu tempo, Alfred Tennyson. foi durante a primeira metade do séc. xx um dos alvos preferidos dos que pretendiam desacreditar a cultura vitoriana».

Ver poemas e outras informações aqui.

publicado por annualia às 16:24
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Finalistas do Prémio Strega 2009

premio_strega
O Prémio Strega foi criado pela Casa Bellonci, em 1947, por Maria Bellonci e Guido Alberti. O prémio é atribuído a uma obra narrativa em prosa de autor italiano, publicada entre 1 de Maio do ano precedente e 30 de Abril do ano em causa, escolhida, em duas rondas, por quatrocentos «Amici della Domenica», todos personalidades relacionadas com diversos aspectos da cultura italiana. As figuras que fazem ou fizeram parte deste grupo, bem como a lista dos laureados, é bem eloquente da alta qualidade deste prémio.


Eis os finalistas do Prémio Strega 2009:

 

Stabat Mater (Einaudi)
Tiziano Scarpa
L’istinto del lupo (Newton Compton)
Massimo Lugli
L’ultima estate (Fazi)
Cesarina Vighy
Il bambino che sognava la fine del mondo (Bompiani)
Antonio Scurati
Almeno il cappello (Garzanti)
Andrea Vitali

O vencedor será conhecido a 2 de Julho.

 

 

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Sábado, 27 de Junho de 2009

Farpas Escolhidas

Verbo Clássicos nas livrarias.

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Sexta-feira, 26 de Junho de 2009

Michael Jackson (1958-2009)


Ver notícia no
Público.

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Farrah Fawcett (1947-2009)

 

Actriz americana (Corpus Christi, Texas, 2.2.1947 – Santa Mónica, Califórnia, 25.6.2009) que ganhou lugar de relevo em séries de televisão como I Dream of Jeannie (1965-1970), The Flying Nun (1967-1970) ou The Partridge Family (1970-1974), mas que teve em Chalie’s Angels (1976- 1981) o seu maior êxito. Em Myra Breckinridge (1970, de Michael Same) contracenou com John Huston, Mae West e Raquel Welch. Protagonizou depois alguns filmes como Somebody Killed Her Husband (1978, de Lamont Johnson), Sunburn (1979, de Richard C. Sarafian), Saturn 3 (1980, de Stanley Donen), The Cannonball Run (1981, de Hal Needham), The Burning Bed (1984, de Robert Greenwald, para tv), Extremities (1986, de Robert M. Young), Small Sacrifices (1989, de David Greene, para tv), Good Sports (1991, série de televisão), The Apostle (1997, de e com Robert Duvall).

 


 

publicado por annualia às 09:09
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Hanne Hiob (1923-2009)

 Hanne Hiob, German actress, daughter of playwright Brecht

Actriz alemã, filha de Bertolt Brecht (Munique, 12.3.1923 – ibid., 23.6.2009) e da cantora Mariane Zoff, que a ensinou e a encaminhou para uma carreira artística. Trabalhou em teatros nas duas Alemanhas do tempo da Guerra Fria, e também na Suíça e na Áustria, tendo protagonizado algumas peças escritas pelo seu pai, como foi o caso de As Espingardas da Mãe Carrar, que também fez para televisão em 1975. Em 1998, interpretou a sua própria figura em Cem anos de Brecht (Hundert Jahre Brecht), cujo argumento escreveu em conjunto com o realizador Ottokar Runze.


 

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Quinta-feira, 25 de Junho de 2009

Alexis de Tocqueville (1805-1859)

A propósito da passagem, em Abril passado, dos 150 anos da morte de Tocquville, divulgamos de seguida um texto incluído no último volume impresso de Annualia.

 

Alexis de Tocqueville
por Paulo Tunhas
da Universidade Fernando Pessoa

Não há, apesar das suas aporias, aparentes contradições e efectiva complexidade, ou talvez por causa disso mesmo, melhor guia para entender os tempos presentes do que a obra de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tocqueville foi certamente quem melhor diagnosticou a tendência geral da evolução das sociedades ocidentais, uma tendência marcada pelo advento da democracia e do igualitarismo, em contraste com a diferenciação aristocrática dos tempos precedentes à revolução francesa, mas anunciada já pela centralização administrativa encetada pela monarquia.

 

O método tocquevilliano, tanto nos dois tomos de De la démocratie en Amérique (1835, 1840) como em L’Ancien Régime et la Révolution (1856), é um método de contrastes. Contraste entre as «épocas aristocráticas» e as «épocas democráticas», entre a liberdade e o despotismo, entre a paixão da liberdade e a paixão da igualdade, entre a estabilidade e a instabilidade, entre os Estados Unidos e a França. No centro, apesar de nomeada apenas a espaços, a Inglaterra, aristocrática e livre, mas contendo em si elementos de democracia, responsável, como Tocqueville insiste, por várias tradições que os Estados Unidos viriam a renovar.

Contrastes (bem como semelhanças) encontram-se não apenas no método como no objecto estudado: as sociedades aristocráticas são sociedades de contrastes entre as várias «classes» ou «castas», as sociedades democráticas, adversárias da diversidade, tudo homogeneízam e assemelham. É sobretudo nestas que a atenção de Tocqueville se concentra: as sociedades democráticas, em virtude do impulso centralizador que lhes é intrínseco, e que Tocqueville analisa em detalhe, procedem a uma uniformização e a uma igualitarização de toda a vida comum, que é acompanhada por uma regimentação tendencialmente integral da vida individual e por um concomitante isolamento dos indivíduos, separados de toda a vida política. Movimento geral ao qual a própria linguagem – cada vez mais abstracta e divorciada de qualquer referência concreta – não escaparia. A linguagem abstracta, favorecendo as ideias gerais, é ela própria um poderoso veículo de uniformização e de desatenção ao particular, de substituição da sociedade efectiva por uma sociedade imaginária, esplendidamente indiferente à rugosidade da realidade. A arte dos povos democráticos – Tocqueville tem sobretudo em vista o romantismo francês – exprime na perfeição esse movimento de desrealização do singular e o fanatismo propagandístico que lhe é concomitante. A colocar ainda na lista dos malefícios da uniformização, a perda de qualidade e de individualidade dos artefactos, bem como a degradação do homem, que não se pertence já a si mesmo mas à profissão que escolheu. O próprio conceito de honra, na exacta medida em que supõe, como condição de possibilidade da sua existência, a divisão estratificada dos grupos sociais, tenderia a desaparecer em virtude da uniformização dos comportamentos.

A transformação da sociedade numa superfície plana, inerme e indiferenciada, contraposta a um Estado uno e senhor de todo o poder, mas representando a maioria, exprime o resultado de um movimento inevitável dos povos em direcção à igualdade. «Despotismo democrático»: Tocqueville forja a expressão com toda a prudência, servindo-se do vocabulário tradicional. A coisa é nova, mas Tocqueville recusa-se, em parte por aristocrática desconveniência com a linguagem abstracta, a dar-lhe um nome absolutamente novo. Em todo o caso, o significado é claro: movimento simultâneo de despossessão política do indivíduo e de máxima privatização das suas acções, sabiamente reguladas por um poder tutorial (infantilizador, poder-se-ia acrescentar) e omnipresente, um poder tutelar «absoluto, detalhado, regular, previdente e doce»; paixão servil pelo funcionarismo público (o «desejo universal e imoderado das funções públicas»); glacial homogeneidade e indistinção de indivíduos paradoxalmente isolados uns dos outros, ao mesmo tempo semelhantes e reciprocamente surdos e indiferentes, numa similaridade incomunicante; imersão da sociedade numa mediocridade que tudo nivela; massificação (é, de facto, a palavra que convém) do gosto; tirania da opinião pública; criação de uma sensibilidade universal e untuosa, exprimindo um amor abstracto pela humanidade, um lirismo administrativo dos sentimentos.

Esta tendência natural das sociedades democrático-igualitárias para o despotismo democrático, sendo poderosa, não é, no entanto, fatal. De la démocratie en Amérique mostra como uma série de dispositivos – a descentralização administrativa (compatível com uma necessária centralização governamental), bem como a criação de um conjunto de entidades mediadoras entre o indivíduo e o Estado, e a própria religião (separada do poder político) – pode servir de antídoto ao movimento indiferenciador da democracia e preservar uma liberdade em risco. O essencial reside na divisão do poder social, uma divisão que é natural nas sociedades aristocráticas, mas que manifestamente repugna às sociedades democráticas e niveladoras. A divisão do poder social é a operação fundamental da liberdade, e Tocqueville explora as suas possibilidades em detalhe. O amor da indivisão dos poderes é o amor despótico por excelência, que traz consigo um gosto perverso e funcionário pela uniformidade. Trata-se de procurar a todo o custo que a paixão da liberdade sobreviva à torrente igualitária (notando-se, no entanto, que a paixão da igualdade é ela própria dupla: simultaneamente viril – e, assim, podendo dar aos homens o gosto das instituições livres -- e degradada). Só assim o despotismo larvar do corpo social democrático poderá ser combatido.

Os Estados Unidos dar-nos-iam exactamente o exemplo, necessariamente incerto, imperfeito e perecível, de uma tal preservação da liberdade, que constituiria a «ciência política» (no sentido tocquevilliano de regra da acção pública) dos povos democráticos livres. Convém efectivamente sublinhar este aspecto: Tocqueville não diz nunca que a democracia é, em si, incompatível com a liberdade: apenas diz que, deixada à sua marcha natural, ela tende a obliterar a paixão da liberdade que igualmente a constitui e rapidamente se torna inimiga da liberdade. A liberdade que sobreviverá nela, que ela recriará ao seu modo, será o produto não do instinto igualitário mas da arte humana, da «acção lenta e tranquila da sociedade sobre si mesma», e manifestar-se-á, entre outras coisas, na actividade exercida pelas associações de cidadãos, pela imprensa livre (amada sobretudo pelos males que evita) ou pela autonomia do poder judiciário. A tendência à divisão e a tendência à união devem coexistir, em estado de equilíbrio, e o federalismo exprime esse equilíbrio. São ainda indispensáveis à arte da liberdade a defesa dos poderes comunais, essenciais na criação do espírito de liberdade (o espírito, tal como os costumes o traduzem, é mais importante ainda do que as leis) e o respeito pelos formalismos e pelos direitos individuais. Tal arte – uma arte que muito deve à herança inglesa da liberdade -- consistirá, entre outras coisas, em fazer com que o homem não mergulhe absolutamente na esfera privada, na esfera do individualismo, e venha a interessar-se, não por instinto, mas por reflexão, pela coisa pública. O célebre «interesse bem entendido» de que fala Tocqueville, o amor esclarecido de si mesmo («doutrina pouco elevada, mas clara e segura»), servindo de antídoto ao individualismo democrático, participa desta arte.

Numa língua de uma perfeita beleza e extraordinária acuidade, cruzando a Filosofia política – uma filosofia política alicerçada numa antropologia das paixões --, a História e a Sociologia, dotado de uma excepcional capacidade prognóstica, Tocqueville é, como se disse anteriormente, o melhor guia possível para a sociedade contemporânea. Ninguém como ele previu (e antecipadamente descreveu) o advento de um Estado tutelar e minuciosamente inquiridor dos actos privados dos indivíduos – não de uns poucos, como nas tiranias antigas, mas de todos --, um Estado preceptor, cioso de decidir por nós o que nos convém e desconvém, o benéfico e o contraproducente, sem ter em conta os nossos desejos e vontades. Sem poder adivinhar os horrores mais radicais do século xx, Tocqueville pôde, no entanto, conceber o que mais se assemelha ao totalitarismo no contexto dos doces humores democráticos: a abdicação da liberdade de pensar e agir, a subordinação maciça à «opinião pública», a vitória da servidão inspirada pela paixão absorvente da igualdade, muito mais poderosa do que a paixão da liberdade. Isso e o esquecimento militante do passado e da tradição em benefício exclusivo de um presente imediato e irreflectido, fechando cada homem no interior do seu próprio coração, comandado apenas pelo desejo «ardente, tenaz, contínuo» (pensar-se-ia ler Hobbes) de avançar; e, ao mesmo tempo, uma «indiferença completa e brutal em relação ao futuro». Mas pôde igualmente, sobretudo no seu retrato dos Estados Unidos – simultaneamente indício dos tempos a vir e parcial solução para os males desses tempos --, sugerir a possibilidade de, no seio da democracia, a humanidade poder manter um módico de liberdade resistente à paixão da igualdade. Se o caminho para a igualdade é inexorável, convém a todo o custo que lutemos para minimizar as suas mais terríveis consequências. No fim de contas, o desenvolvimento dos costumes e das instituições democráticas é o único meio que nos resta para permanecermos livres. Um retorno – impossível, de resto -- à aristocracia, obrigar-nos-ia a algo inaceitável: «fundar a desigualdade em princípio».

A acabar. Uma evocação, mesmo que breve, de Tocqueville, não pode deixar passar em silêncio esse livro maravilhoso, os Souvenirs (escritos em 1850-1851 e publicado postumamente), onde são retratadas as jornadas de 1848 e a sua passagem pelo Ministério dos Estrangeiros sob Luís-Napoleão. Talvez mais ainda que nas outras obras, toda a sensibilidade de Tocqueville à maneira como as instituições do passado vão perdendo sentido, ou se vêem afectadas de sentidos novos, se exibe na perfeição. Um livro que não contém uma só linha que seja banal e não ilumine um ou outro aspecto da história e dos motivos da acção humana.


 

publicado por annualia às 15:32
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Três efemérides cinematográficas

 












Realizador americano (1909-1993), que começou por trabalhar como argumentista. O seu primeiro filme foi Dragonwyck (1946). Excelente director de actores, os seus filmes abordam as fraquezas e os vícios humanos e apresentam quase sempre uma assinalável qualidade «literária». Foi distinguido com Óscares por A Letter to three wives (1948) e por All about Eve (1950). Prova evidente do seu talento é Sleuth (1972, Anatomia de Um Crime), notável filme para dois actores (L. Olivier e M. Caine) realizado num espaço fechado. Outros filmes: Somewhere in the Night (1946), House of strangers (1949), No Way Out (1950), Julius Caesar (1953), The Barefoot Contessa (1954), The Quiet American (1958), Suddenly, Last Summer (1959), Cleópatra (1963).

 

 
Cineasta americano (1909-1984) que começou por ser crítico literário e teatral, tendo dirigido produções da Broadway. No final da II Guerra Mundial rodou A Gun in His Hand (Óscar para a Melhor Curta-Metragem, 1945), mas o seu primeiro filme de fundo é The Boy with Green Hair (1948). Alvo da perseguição do maccarthismo, fixou-se em Inglaterra onde construiu uma filmografia de grande qualidade. Algumas obras: The Sleeping Tiger (1954), The Intimate Stranger (1955), A Man of the Beach (1955), The Servant (1963), King and Country (1965), Modesty Blaise (1966), Accident (1967), The Go-Between (1971, Palma de Ouro do Festival de Cannes), Boom! (1968), A Doll’s House (1973), Don Giovanni (1979).

 


Realizador francês (1909-1989), cuja formação jurídica veio a reflectir-se no seu cinema, sobretudo a partir de Justice est faite (1950), que inaugurou uma abordagem intensa de questões jurídicas. Estreou-se como realizador, depois de se ter iniciado como argumentista, com Amants de Vérone (1948), com argumento de Jacques Prévert. Alguns outros títulos: Au Bonheur des dames (1943), Nous sommes tous des assassins (1951), La Glaive et la Balance (1963), Les Risques du Métier (1967), Mourir d'aimer (1970), Il n’y a pas de fumée sans feu (1972), Verdict (1974), A Chacun son enfer (1977), La Raison d’État (1978), L’Amour en Question (1978). No final da carreira realizou algumas séries para televisão como La Faute (1980) e Les Avocats du Diable (1981).

publicado por annualia às 11:34
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Quarta-feira, 24 de Junho de 2009

Prémio Príncipe das Astúrias de Letras/ Ismail Kadaré

  

Escritor albanês (n. Gjirokaster, 1936) que adquiriu a sua reputação como poeta, e depois como romancista, no país natal, mas conseguiu vencer a barreira do isolamento linguístico e político. Favorável à queda do regime de Enver Hoxha, Kadaré fixou-se em Paris. A sua obra caracteriza-se pela abordagem realista de temas do quotidiano, bem com incursões históricas, combinando humor, imaginação e fantástico. Segundo John Carey, presidente do júri que lhe atribuiu o Prémio Booker Internacional, em 2005, "Ismail Kadaré é um escritor que abarca toda uma cultura — a sua história, a sua paixão, o seu folclore, a sua política e os seus desastres. É um escritor universal que pertence a uma tradição narrativa que vem desde Homero.» É membro da Academia das Ciências Morais e Políticas de Paris, do Instituto de França, da Academia das Artes de Berlim e é oficial da Legião de Honra (França).
Algumas obras: O Castelo (1970), Crónica de Pedra (1971), Abril Despedaçado (1978), Palácio dos Sonhos (1981), O Concerto (1988), A Pirâmide (1991), Albânia (1995), Três Cantos Fúnebres para o Kosovo (2000), Ficheiro sobre H. (2002), Frente ao Espelho de uma Mulher (2002), A Filha de Agamemnon (2003), O Sucessor (2005), Vida, Morte e Representação de Lul Mazreku (2007). Kadaré é publlicado em Portugal pela D. Quixote.


 

publicado por annualia às 10:08
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