«A ordem moral e política funda-se na lei divina, comunicada aos homens sob a dupla forma de lei natural e de ordem das naturezas. Na lei temporal, apenas é justo ou legítimo o que foi derivado pela razão humana da lei eterna [Agostinho, De Libero arbitrio, I, v, 13, citado por Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II 93, 3]. É neste sentido que cumpre interpretar a autoridade da Escritura: «Todo o poder vem de Deus.» O contra-senso clássico (interpretação absolutista da época clássica) consiste em dizer que toda a autoridade é de direito divino, quando esta frase significa, pelo contrário, que não há poder legítimo senão o que (verdadeiramente) procede de Deus: para exigir obediência, a própria autoridade deve obedecer à lei eterna.
É por isso que é legítimo não obedecer aos injustos. Para Tomás de Aquino, a lei exprime por essência a justiça no finito: se ela não é justa, nem sequer é uma lei; não a executar não é desobedecer, mas simplesmente reconhecer que ela não existe. Nos séculos XIV e XV esta reflexão irá até aos fundamentos do exercício do poder, numa casuística do tiranicídio, para decidir a partir de que momento é legítimo derrubar um príncipe indigno desse nome.»
Oivier Boulnois, «Os escolásticos, Boaventura (c. 1220-1271), Tomás de Aquino (1225-1274), Duns Escoto (1265-1308): felicidade, lei natural e pobreza» em História Crítica da Filosofia Moral e Política.