Domingo, 23 de Dezembro de 2007

Julien Gracq (1910-2007)

 

 

Escritor francês, de seu verdadeiro nome Louis Poirier, talvez a última das grandes figuras da literatura francesa do século XX (Saint­-Florent-le-Vieil, 27.2.1910 - Angers, 22.12.2007). 
Tornou-se mais conhecido do grande público quando recusou o Prémio Goncourt, atribuído ao seu livro Rivage des Syrtes (1951). Amigo e admirador de Breton, foi muito marcado pelo Surrealismo. Soube harmonizar rigor intelectual e paixão numa obra perfeitamente equilibrada, pautada pela valorização do estilo, escrita numa linguagem de rara mestria.
Além dos romances Au château d’Argol (1938), Un beau ténébreux (1945), Un balcon en forêt (1958) escreveu um ensaio polémico, La littérature à l’estomac (1950), no qual acusa os processos que tendem a fazer da obra de arte um produto de consumo.
Outras obras: Préferences (1961), Le Presqu’île (novelas, 1970), Lettrines (1974), Les eaux étroites (narrativa, 1976), En lisant, en écrivant (crítica, 1980), La Forme d’une ville (1985), Autour des sept collines (1988), Carnets du grand chemin (1992).
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Julien Gracq, o último dos clássicos
 
Gracq é o último dos clássicos. Um escritor de um tempo antigo, anterior ao reino dos médias e à derrota do estilo. A partir de 1950, com a sua glória em plena ascensão Gracq insurge-se num célebre panfleto contra os perigos que ameaçam a literatura: o nivelamento por baixo, a progressiva servidão dos espíritos, o aparecimento de um público desorientado, que não lê, e para quem o nome do autor não tem mais valor que o de uma marca comercial. Antecipando a lógica das celebridades, Gracq profetiza o surgimento do autor-vedeta, reduzido a não ser mais que uma figura de actualidade, envolto por um ruído de fundo mediático que adocica o seu pensamento ao mesmo tempo que amplifica a sua imagem. La Littérature à l’estomac, chamar-lhe-á Gracq, feita para impressionar, servida uma e outra vez como prato comestível, até ao vómito.
Condenando a pequena cozinha literária, Gracq prefere o jejum e a ascese. Recusa, em 1951, o prémio Goncourt concedido a Le Rivage des Syrtes. Posteriormente, dissolve rapidamente o género romance, por este não lhe despertar apetite suficiente, e escolhe a forma fragmentária, escrevendo ensaios de uma liberdade resplandecente compostos ao longo dos seus passeios, leituras e meditações. A sua obra é constituída, no total, por dezasseis livros (...) todos publicados por um editor que soube permanecer um artesão, José Corti, a quem assentaria bem a divisa «Nada de comum». Não tendo a ambição de rivalizar com as Obras Completas dos grandes autores, superabundantes por natureza, não se excita mesmo se teve o privilégio raro de ser entronizado, em vida, na Biblothèque de la Plêiade. Quanto ao resto, uma discrição absoluta, que confina com a provocação: Gracq sempre fugiu a ser fotografado ou a aparecer na televisão, apenas concedeu entrevistas em doses homeopáticas, das quais duas ao Magazine littéraire, a primeira em 1981, a segunda para este dossiê [Junho de 2007] após seis anos de silêncio.
Em 1992, ao publicar aos setenta anos, os seus Carnets du grand chemin, Gracq fechou a sua obra com o mesmo cuidado com que fecha as janelas de sua casa. Ele aí vive retirado, na residência de família de Saint-Florent-le-Vieil, nas margens do Loire, gozando, ao lado de sua irmã, uma vida de província ao abrigo da modernidade. Mundo perene e estático que alguns peregrinos que ele aceitou receber descobriram com veneração (...). Não se imagina refúgio mais apropriado que esta casa para se manter fora do tempo, vigiar as paisagens de uma França imutável e reler os seus clássicos, degustando palavras raras e antigas. A Philippe Le Guillou que o interrogava sobre os seus leitores futuros, Gracq evocou a permanência de uma sociedade secreta cada vez mais reduzida. A atracção pela beleza da língua e pelo estilo já não está na moda. Mas continuarão a existir aqueles happy few, iguais aos que o seu caro Stendhal apreciava, para ler Gracq com um fervor intacto.  
 
Jean-Louis Hue
Director de Le Magazine Littéraire (introdução do dossiê dedicado a Julien Gracq por esta revista em Junho de 2007).
publicado por annualia às 18:01
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