por Máximo Ferreira
Astrónomo
QUARTA PARTE
O conhecimento astronómico impulsionador de ciências e tecnologias
Na época dos descobrimentos, o saber astronómico -- embora na sua essência baseado no modelo geocêntrico -- constituía a base da navegação por regiões desconhecidas. Não era ainda possível determinar a longitude mas já tinham sido abandonados os medievais métodos de determinar as horas pela projecção de sombras de objectos presos na mão ou mesmo os relógios de Sol implantados no solo ou em paredes.
Faziam-se esforços para desenvolver relógios que pudessem manter a hora «levada» de terra, para -- a partir da comparação com a determinada noutros locais -- se obter a longitude.
Experimenta-se a utilização da paralaxe da Lua ou, depois do advento do telescópio, as posições das luas de Júpiter. Mas só após o início da era espacial se alcança o rigor máximo com a colocação de constelações de satélites artificiais orbitando a Terra, cobrindo o planeta com uma «rede» de ondas electromagnéticas que, para além de constituírem suporte de comunicações, facilitam extraordinariamente a navegação no mar, em terra e no ar.
A formulação matemática estabelecida por Newton permitia explicar a razão por que os planetas não caem no Sol, as órbitas dos cometas ou a razão das marés, e permitia ainda admitir a possibilidade de escapar à atracção gravítica da Terra.
Em 1903, o físico russo Konstantin Tsiolkovsky desenvolve o formalismo newtoniano com vista a estabelecer teorias que concretizassem a libertação da gravidade terrestre. Exprimiu a sua convicção escrevendo «a Terra é o berço da humanidade mas ninguém vive no berço toda a vida». Em 1957 é colocado em órbita terrestre o primeiro satélite artificial e, menos de quatro anos, depois Yuri Gagarine torna-se o primeiro humano a executar, no espaço, uma volta à Terra em apenas 108 minutos.
Sucedem-se lançamentos de engenhos em direcção à Lua, alguns dos quais fotografam e enviam imagens da face lunar nunca observável a partir do nosso planeta.
No Natal de 1968 três astronautas executam três voltas à Lua, aproximando-se a apenas cento e dez quilómetros da superfície lunar.
Em Julho de 1969, pela primeira vez, terrestres «invadem» um astro diferente daquele em que nasceram. Estava confirmada a convicção de Tsiolkovsky!
Depois, o nosso conhecimento do Sistema Solar e do espaço exterior aumentou extraordinariamente, à custa não só do número crescente de engenhos preparados para o efeito mas, essencialmente, como resultado de avanços científicos e tecnológicos.
Com o objectivo de «olhar» o céu a partir do exterior da atmosfera terrestre e, assim, evitar o «engano» produzido pela absorção de alguns comprimentos de onda da radiação vinda do espaço, equipam-se satélites artificiais que, depois de lançados, podem ficar anos a girar em volta da Terra. Podem detectar radiações infravermelhas de regiões de nebulosas onde estão estrelas em fase de formação, captar radiações X dos buracos negros ou registar imagens na região central de galáxias longínquas. De imediato, tais sinais captados são transformados em frequências muito mais baixas para que possam atravessar a atmosfera sem interagirem com os componentes atmosféricos e, por isso, serem atenuados ou absorvidos. Uma vez recebidos em estações na superfície terrestre, o sinal é reposto como havia sido recebido no topo da atmosfera, constituindo assim informação fiel da radiação captada pelo satélite.
No domínio do visível, captam-se já evidências da existência de planetas em volta de outras estrelas, confirmando-se assim a convicção de que o único sistema solar conhecido – o nosso – será apenas um dos muitos milhões de milhões que existirão no Universo.
O desenvolvimento de tecnologias que permitam concentrar grande número e diversidade de equipamentos num mesmo satélite, capazes de recolherem dados para suportar investigações diversas, levou à miniaturização de componentes muitos dos quais são aplicados na vida quotidiana, em áreas bem diferentes da Astronomia ou de domínios aeroespaciais. Os computadores de tamanhos extraordinariamente reduzidos mas com altas capacidades, equipamentos utilizados em medicina (quer em diagnósticos quer em tratamentos ou mesmo intervenções cirúrgicas), sistemas de controlo e detecção a grandes distâncias, etc., são apenas alguns dos recursos cuja eficácia e redução de tamanho terão sido consequência mais ou menos directa de preocupações inerentes a estudos astronómicos, em terra ou no espaço.
Por outro lado, a vida diária na Terra está permanentemente condicionada pela tecnologia que gira em torno do planeta, no espaço exterior que se estende (pelo menos) a trinta e seis mil quilómetros.
Giram permanentemente em volta da Terra satélites artificiais que obtêm imagens da atmosfera terrestre e as enviam para superfície (para que delas se façam deduções quanto ao «estado do tempo» em diversas regiões do globo), ou que permitem ligações telefónicas ou de televisão para regiões longínquas. No céu nocturno parecem estrelas em movimento lento e fazem, actualmente, parte de passatempos que ocupam alguns terrestres a olhá-los, a comparar velocidades, a estimar a «altura» das suas trajectórias ou mesmo a verificar em que posição da esfera celeste se «apagam» para assim se perceber a direcção em que – nesse momento – se projecta a sombra da Terra.
Bem mais distantes se encontram as estrelas e, para lá das que constituem a nossa galáxia, outras galáxias que, na esfera celeste, nos parecem pequenas nuvens mas que, algumas delas, «prometem» contributos importantes para conhecermos melhor o planeta Terra. Os objectos celestes conhecidos hoje como quasars serão – segundo as convicções actuais – núcleos de galáxias extraordinariamente distantes, cujo aspecto de grande luminosidade será resultado de fenómenos violentos que, provavelmente, conduzirão à formação de buracos negros na parte central de cada uma delas.
Ora, os quasars constituem já alvos para que se apontam radiotelescópios de alta resolução, situados em pontos distantes da superfície terrestre. Registadas as orientações de cada uma das antenas colocadas em diferentes placas da Terra, depois de cada «pontaria» efectuada para um mesmo quasar, a operação será repetida alguns anos depois.
Dado que a galáxia cujo centro brilha intensamente se encontra muito distante, qualquer diferença na orientação das antenas para o observarem, dever-se-á, não a deslocamento do quasar mas à «migração» da placa em que se situa a antena, cuja orientação precisa de ser corrigida.
De tal investigação minuciosa e paciente se «acompanhará» (espera-se) a tectónica de placas, com a consequente capacidade de perceber – ao longo de anos --que regiões do globo terrestre apresentam propensão para formar montanhas ou, pelo contrário, onde poderão surgir depressões e outros resultados do afastamento das placas.
*Texto inicialmente publicado no volume Annualia 2008-2009
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