por MÁXIMO FERREIRA
Astrónomo
TERCEIRA PARTE
O Céu na Literatura
São inúmeros os textos literários que constituem autênticas relíquias de grande parte da humanidade, pelos seus conteúdos ligados à contemplação do céu ou a viagens à Lua ou a locais fictícios do cosmos.
Para além da imaginária viagem de um barco à vela que, arrancado das ondas do mar por um violento vendaval, vai ter à Lua (obra de Luciano de Samósata, no século II da nossa era), à surpresa de Cyrano de Bergerac ao ouvir falar francês quando descia («pensava» ele) na Lua, depois de levado pelo orvalho contido em cabaças atadas à volta da cintura, ou ainda ao imortal livro de Júlio Verne, Da Terra à Lua, muitas foram as obras que, em prosa, em verso ou mesmo em banda desenhada, abordaram temas com personagens – em terra ou no espaço – envolvidos no espírito que a curiosidade pelo desconhecido e a imaginação incute no ser humano e o lança em aventuras mais ou menos realistas.
Constituem autênticas pérolas da literatura os planetas visitados pelo Principezinho de Saint-Exupéry ou mesmo as aventuras de Tintim na Lua.
Talvez menos conhecidos no mundo, Camões e a sua genial obra, Os Lusíadas, descrevem a mais extraordinária lição de Astronomia, não só ao longo de toda a obra mas, essencialmente, na «aula» dada pela deusa Tétis a Vasco da Gama, «perante» a «…grande máquina do Mundo, / Etérea e elemental…».
Já cerca de cento e cinquenta anos antes, o Rei D. Duarte no seu Leal Conselheiro havia incluído um texto sobre astronomia prática com o objectivo de explicar «… a maneira de conhecer a estrella do norte e per ella suas guardas aa mea noite e menhãa, …».
Na verdade, já cerca de duzentos anos antes do «rei eloquente» havia sido estabelecido um método semelhante para saber as horas pelas posições da estrela polar. No entanto, D. Duarte torna o seu mais completo a ponto de, com ele, poder não só conhecer a hora mas também saber os momentos do nascimento ou do ocaso do Sol. Tais técnicas haveriam de conduzir à elaboração dos «nocturlábios», instrumentos adaptados à utilização da estrela polar (que deveria ser observada através do orifício central) e com um ponteiro móvel que seria orientado na direcção de Kochab, a «guarda dianteira» da Ursa Menor, ou seja, a estrela que «vai à frente» no movimento aparente daquela constelação circumpolar.
Os nocturlábios foram também adaptados para «ver» as horas a partir da posição do Cruzeiro do Sul.
Ao que parece, a primeira referência a «nocturlábio» é feita por Martin Cortés no seu manual Arte de Navegar (1551) que, no mesmo ano, foi traduzido para inglês.
*Texto inicialmente publicado no volume Annualia 2008-2009
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