por Máximo Ferreira
Astrónomo
SEGUNDA PARTE
O Céu na História
Os mais antigos registos de factos astronómicos provêm da Mesopotâmia, região entre os rios Tigre e Eufrates, onde se situa actualmente o Iraque. Certamente, já muito antes os habitantes daquela e de outras partes do mundo observavam o céu e imaginavam nele figuras e mitos e a morada de forças ocultas que, por vezes, provocavam os relâmpagos e os trovões ou, ocasionalmente, faziam desaparecer o Sol, durante o dia, ou a Lua, em noites de lua cheia.
Teria sido também por «sinais» celestes que terão aprendido a determinar as melhores ocasiões para preparar terras para as sementeiras, lançar as sementes ou proceder às respectivas colheitas.
Quanto à posição do Homem no cosmos, é quase certo que, por volta do ano 1000 antes do início da nossa era, a concepção do mundo não seria muito diferente nos grandes impérios (Mesopotâmia, Egipto e China). A Terra não seria mais do que uma pequena porção plana encimada por uma abóbada, no interior da qual se encontravam, fixas, as estrelas.
No entanto, é certo que tinham conhecimento da relação do céu com as estações e a duração do ano e que era notável a preocupação de estabelecer concordâncias rigorosas. Uma antiga placa de argila (do século XX antes da nossa era) tem o registo de que "Hamurábi, disse ao seu ministro Sin-idinnam: o ano está fora do sítio …".
Sobre o saber astronómico grego pouco se conhece anteriormente ao século IV a.C., pois dos filósofos de então não nos chegou qualquer documento escrito. Mesmo de Aristarco e Hiparco (séculos III e II a.C., respectivamente), os documentos conhecidos constituirão uma pequeníssima parte dos trabalhos que terão produzido. Mas seriam os gregos a aplicar aos factos e fenómenos observados no céu um racionalismo científico que, baseado nas tentativas de retirar dos fenómenos naturais a mística, a magia e o sobrenatural, levaria ao despertar da curiosidade de observar, registar e interpretar os fenómenos em análise. O primeiro grande sucesso da Astronomia grega consistiu no reconhecimento da Terra como um «corpo celeste». Anaximandro concebe a Terra com forma cilíndrica, isolada no espaço, e, à sua volta, todos os «astros errantes» descrevendo voltas circulares inclinadas relativamente ao cilindro.
Já no início da nossa era, com base em complexos arranjos geométricos, Ptolomeu estabelece o mais perfeito «sistema do mundo» com base no geocentrismo. A ideia da Terra no centro de uma enorme esfera coincidia com o que se observava durante o dia e à noite e, essencialmente, estava de acordo com a filosofia de Aristóteles. Por isso, durante cerca de mil e quinhentos anos foi esse o modelo adoptado.
No período da Renascença, escritores, filósofos e cientistas aprofundam «contactos» com as ideias de filósofos gregos e retomam algumas das suas convicções. Copérnico analisa as representações de Ptolomeu e compara-as com as observações modernas, concluindo que estas seriam mais fáceis de explicar se, em vez da Terra, se admitisse o Sol no centro do mundo. A aventura dos descobrimentos e as técnicas e instrumentos desenvolvidos para determinar posições no mar (a partir da observação astronómica), contribuíram para retirar definitivamente a humanidade do centro do mundo.
As observações de Galileu demonstram a validade do conceito heliocêntrico e sugerem que o Sol não estará no centro do mundo e, ainda, que a esfera celeste não terá existência real. Descobre-se a paralaxe estelar, determinam-se distâncias às estrelas e confirma-se a ideia de Kant ao verificar-se que o seu «universo ilhas» existia na forma de inúmeras galáxias dispersas pelo espaço.
Já no século XX, determina-se a posição do Sistema Solar na nossa Galáxia e verifica-se que ele se situa muito longe da parte central.
O Homem, retirado do centro do mundo por Copérnico, era agora afastado do centro da Via Láctea, uma de entre milhões de galáxias que povoam o Universo, no qual não faz sentido falar de «centro».
*Texto inicialmente publicado no volume Annualia 2008-2009
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